quinta-feira, janeiro 21, 2010

Linha de Trás

Hoje saltou-me a tampa ao ver a forma como trataram o "Lar Betânia" na reportagem do programa "Linha da Frente" na RTP1. Desta vez não me calei. Escrevi para o provedor e, claro, para o próprio programa. Segue a carta

Exmos. Srs.,

Costumo ver com atenção (embora nem sempre) a emissão do programa Linha da Frente. Regra geral, o jornalismo que ali se pratica aparenta ser sério e informado. No entanto, desta feita, serve o presente e-mail para demonstrar a minha indignação perante a forma parcial, descuidada, mal informada e difamatória como foi tratado o Lar Betânia e, em geral, a comunidade evangélica na reportagem desta Quarta-feira, 20 de Janeiro.

Em primeiro lugar, não procuraram perceber o modo de funcionamento das instituições. Misturaram "alhos com bugalhos". A Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) não é proprietária de nenhum lar nem tem qualquer responsabilidade ou supervisão sobre ele. A AEP não é a cúpula de uma hipotética Igreja Evangélica nacional ou internacional (que não existe, de todo). A AEP é uma associação de igrejas (e pessoas singulares ou colectivas) que são completamente independentes entre si. O Portal Evangélico limita-se a publicitar o que os membros da Aliança fazem, os ministérios que desenvolvem, etc. Estou em crer até que estas confusões poderiam ter sido debeladas facilmente na entrevista que fizeram ao pastor assembleiano em Fanhões.

Em segundo lugar, a APEC, com sede em Vendas Novas, não está, de forma alguma, ligada ao Lar Betânia, excepto no facto de, tanto quanto julgo saber, ambas serem membros da AEP e ambas trabalharem com crianças. O uso do Google para encontrar este tipo de relações é de uma infantilidade atroz. É o tipo de coisa que eu critico nos meus alunos e dói-me ver um tão mau exemplo na televisão, ainda por cima num canal público e em horário nobre.

Em terceiro lugar, a vossa reportagem insinuou continuamente, a partir de dada altura, que as crianças são obrigadas a ir ao culto evangélico da Igreja Assembleia de Deus de Vendas Novas e que são tratadas de forma descuidada pelos funcionários no trajecto para lá. Em relação à obrigatoriedade, o facto é que isso não corresponde à verdade. O próprio pastor entrevistado o disse. Mais: as vossas imagens permitiam concluir isso mesmo, visto que, das 29 crianças ali institucionalizadas, apenas vi entrarem na igreja 3 (daquela vez em que diziam não haver supervisão) e, num outro momento (claramente em outro dia e com supervisão) 4 ou 5 crianças. Quanto à supervisão, é, no mínimo, difamatório concluir, com base em apenas alguns segundos de observação, que elas costumam estar desacompanhadas. Além disso, nos frames seguintes vê-se um adulto a acompanhar as crianças. Por que será que não se comentou também esse facto?

Finalmente, pergunto: se o lar fosse propriedade da Igreja Católica (ou até mesmo de algum grupo muçulmano) será que o tratamento jornalístico seria igual? Como sabem, é prática corrente das instituições católicas a obrigatoriedade de assistência aos serviços religiosos das instituições em que se inserem.

Eu próprio (e dois dos meus irmãos) frequentámos uma escola parcialmente (sublinho: parcialmente) propriedade da Ordem de Jesus, cuja outra metade da propriedade era de uma Câmara Municipal, e era obrigatório assistir a vários serviços religiosos ali. O dinheiro pago para eu frequentar a escola era pago integralmente (não parcialmente) pelo estado português. Inclusivamente, as instalações, apesar de propriedade dos jesuitas, haviam sido construídas, na sua maioria, com dinheiros públicos: fundos comunitários e dinheiro de dois municípios. Era até obrigatória a frequência de aulas de religião e moral católicas, ainda por cima mascaradas com o nome de Formação Integral, e a participação activa em serviços religiosos (era obrigatório tocar em pelo menos duas ocasiões no ano durante uma missa). Sublinho que não era uma participação passiva, mas sim activa.

Esta reportagem quis fazer passar a imagem, de forma subtil, de uma comunidade fechada que procura fazer lavagens ao cérebro das crianças que lhe são confiadas. Há inúmeras igrejas evangélicas e instituições ligadas às igrejas evangélicas. Comunidades, regra geral, bem pequenas. Não são propriedade do estado; o Estado celebra com elas contratos de colaboração. Mas o dinheiro raramente chega para as necessidades. Há muito financiamento que entra por donativos de pessoas anónimas. São estas instituições que muitas vezes prestam os serviços que mais ninguém quer fazer. Estão na linha da frente a cuidar das nossas crianças quando os pais não o podem fazer. Estão na linha da frente para cuidar dos nossos idosos quando os seus descendentes não o podem (ou não querem) fazer, ou quando não há família. Estão na linha da frente no tratamento da toxico-dependência, do abuso do álcool e do tabaco. Estão na linha da frente no apoio a mulheres vítimas de violência doméstica. Estão na linha da frente no apoio a quem vive da prostituição. Estão na linha da frente a prestar auxílio a pessoas sem abrigo. Estão na linha da frente a cuidar de grávidas/mães solteiras/divorciadas que não têm condições de providenciar para os seus filhos os cuidados necessários. Estão na linha da frente quando tratam de crianças que vivem na rua e são acolhidas e cuidadas.

Não estou a falar de cor. Sei de várias histórias na primeira pessoa para quase todos os exemplos que dou. São amigos meus que passaram por situações que, provavelmente, os senhores jornalistas nem imaginam que possam acontecer em Portugal. São pessoas normais, como os senhores e eu, que agradecem todos os dias por essas instituições e pelas pessoas que ali trabalham e dão do seu esforço para fazer das vidas dos outros uma vida melhor. O seu trabalho e esforço não pode ser posto em causa. Eles são a verdadeira Linha da Frente.

Atentamente,
Jónatas Ferreira

7 comentários:

Anónimo disse...

Também vi a reportagem. Não se deve estrapular as coisas. O enfoque principal da reportagem foi a forma como o Juiz decidiu. Estou em crer que se a Direcção do Lar de Betânia se disponibilizase para abrir as portas da Instituição, salvaguardando a identidade de todos os que estão lá internados até seria uma boa oportunidade para quem não conhece as dificuldades que têm e o trabalho que desenvolvem. Claro que na falta de melhores explicações a peça explorou os recursos humanos que deveriam ter e não têm. A sensibilidade que me pareceu muito pouca, á que era uma caso mediático a interlocução entre a psicólga e a mãe da criança denotou isso mesmo. Claro está que todo este comportamento que poderia ter sido retirado do contexto mas na ausencia de melhores esclarecimnetos fez com muitos ficassem a pensar duas vezes, afinal como é ?
Bem sei que Lar de Betãnia possui um bom curriculum, mas a falta de um rosto para se apresentar perante a ópinião pública nestes casos acaba sempre por corroer alguma coisa.
Termino este modesto comentário reafirmando que se a imagem do Lar de Betânia e das Assembleias de Deus ficaram mal na fotografia a culpa foi dos seus dirigentes que não souberam aproveitar a oportunidade que o assunto merecia.

Raquel Úria disse...

Subscrevo tudo.

Anónimo disse...

Concordo com tudo o que diz. Eu própria, conhecedora desta casa há muitos anos, já manifestei a minha indignação contra este jornalismo sensacionalista e tendencioso, enviando um e-mail ao provedor do telespectador da RTP, entidade que se deveria pautar pela imparcialidade e pela idoneidade, principios não aplicados neste trabalho.

Sugiro que mais pessoas se mobilizem pela defesa deste ministério que mereçe ser tratado com toda a dignidade, se mais não fosse, por consideração às crianças que já por ali passaram e pelas que lá estão.

jojobach disse...

O facto de alguém não abrir as suas portas para falar com um qualquer jornalista não dá a esse jornalista o direito de difamar essa pessoa/instituição e muito menos outras que em nada foram consultadas.

Homem de Cirene disse...

Hoje (26/1/10) o programa da manhã da RTP1 "Praça da Alegria" dedicou os últimos 15/20 minutos ao caso.
Segundo o autor da peça "Filha Roubada " este trabalho demorou cerca de 4 meses a ser preparado e que o Lar de Betânia está ligado ao movimento das AD cujo representação é na Avª Gago Coutinho em Lisboa. Este ao ser interrogado pelo Jorge Gabriel se não era em Fanhões, o jornalista diz que não, que isso é uma grande quinta e que merece que se faça uma investigação. Também o director do Refúgio Aboím Ascenção, Luis Villas Boas mencionou que em 2003 fez uma visita acompanhado com outros responsáveis ao Lar de Betãnia para rapazes em Estremoz e que saiu de lá com uma péssima imagem. Este é um caso que ensombra o movimento da AD em Portugal e na minha ópinião só aconteceu porque faltou um dos responsáveis dar a cara pelo Lar aquando da realização da peça.
Agora injusta ou justamente paira a desconfiança sobre este movimento e não tarda muito a estarmos equiparados ao movimento da IURD.
Que Deus nos valha !!

jojobach disse...

Tenho pena de não ter visto o Praça da Alegria. Eu sou sempre favorável a investigações. De facto, parece-me que faltou alguém do lar dar a cara. Mas, à parte disso, a verdade é que o jornalista lançou uma suspeição infundada e desconexa em relação a instituições que nada têm a ver com o Lar Betânia. O que fizeram com a APEC e com a AEP é lamentável. Não creio que qualquer destas instituições tenha sido contactada a fim do jornalista documentar as suas suspeições. Aliás, sei que a AEP não o foi. Em relação à APEC, não sei. Se há problemas com o lar, devem-se resolver. Sei que nem todos os lares (propriedade de instituições evangélicas, católicas ou outras quaisquer) são modelo. Mas é importante que não se mande o bebé fora junto com a água do banho. E neste caso foi o que se tentou fazer.

David Joana disse...

http://www.erc.pt/index.php?op=downloads&enviar=enviar&lang=pt&id=1683

A ERC hoje deu-nos razão!